Era 1996, depois de mais uma experiência exitosa à frente do executivo municipal, o mitificado gestor alcançara o luxo de escolher seu sucessor numa eleição plebiscitária, onde mais uma vez delegou ao povo a missão de definir quem sairia na majoritária.
A coalizão de forças políticas locais em sintonia com o anseio popular apontava para alguém com identidade na saúde. O escolhido foi o médico.
Estava a partir daí consolidado o sonho de uma família, reproduzido nas praças, nas tertúlias, na sala de jantar de sua casa, nos bancos de praças :
"um dia vou ser Prefeito dessa cidade, bradava o estudante de medicina".
Sem gastar um cobre, sem serviço prestado, sem história ou legado a debater, ganhou de presente o sonho pequeno-burguês de ser o mais alto mandatário de sua cidade, graças a pujança eleitoral do seu patrono.
Como um menino numa lata de mel, lambuzou-se. Esqueceu o povo. Brigou com o criador. Amealhou patrimônio numa sede insaciável de poder.
O desgate foi tanto que sequer colocou-se à prova para julgamento popular, disputando a reeleição.
Pensava ter acertado na mega sena e que era hora de gastar o que auferira as custas do sofrimento popular.
Aos poucos, viu-se obrigado a ir, paulatinamente - sentença em cima de sentença, movidas por ações do Ministério Público e por força dos pareceres técnicos do Tribunal de Contas e da CGU -, ressarcindo o erário, vindo a falecer o seu Sonho de Ícaro.
Na verdade, o Médico, calado, é um poeta.
Quando se move, um menino objeto de suas ânsias para a puberdade.
Em 2000, retoma o poder aquele a quem o povo já aclamava nas urnas e adquirira o selo de autenticidade necessária para tocar a coisa pública, com a sensibilidade popular que lhe é peculiar.
Como estratégia eleitoral formou o irmão do médico como liderança, elegendo-o, primeiro como vereador mais votado, para depois legitimá-lo como vice, credibilizando-o para futuras disputas a serviço das indispensáveis égides da alternância do poder e do combate ao nepotismo.
Para quem nunca colocou um prego numa barra de sabão, nunca deu um dia de serviço em favor dos anseios populares, - onde se desconhece qual bandeira empunhou ao ponto de ser merecedor da condição de liderança política na cidade -, como salgador de couro, vira emergir em suas mãos um curtume político.
Porém, não se fez de rogado, até porque falou mais alto o naipe, a esfinge familiar, ambos, o Médico e o Salgador de Couro, cresceram ouvindo o clamor paterno para que "um dia um filho seu seria prefeito daquela cidade".
Melhor ainda se forem dois.
E a história não lhe foi madastra, muito embora, nenhum dos dois tenham feito por onde ser merecedores do feito e ainda tendo recebido de mãos beijadas a prefeitura passada pelo mesmo agente político, melhor impossível.
No entanto, o mais novo, como prefeito, não consegue passar de um Salgador de Couro, por mais respeito que se tenha a alvissareira profissão.
Diante disso e inocentes que são, ao que parece vem a história como madrasta e em sintonia com a música de Beth Carvalho, só lhes reservam o choro, a pecha de traidores,o selo de fascistas, colhendo o castigo das urnas que tende a reproduzir uma ética da renúncia a todos aqueles que tem o disparate de pagar com traição a quem sempre lhes deu a mão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário