domingo, 2 de maio de 2010

A alegria pede passagem, o céu agradece



Minha cabeça já andava a mil quando da minha última consulta no Real Cor, pois os fatos passavam a ter poder de império. Como se não bastasse, depois de mais um dia de tensões no trabalho, minha mãe telefona: "Mataram Carlinhos da São Carlos, agora, no centro da cidade".
Travei, de imediato.
"Como? Não é possível".
Desliguei o celular e continuei dirigindo feito uma pica maloqueira. E por mais que não estivesse mais no mesmo lugar, a cada passo que dava, nada, mais nada, vinha em minha cabeça que justificasse tal infortúnio.
Voltei a ligar pra minha mãe, que, de bate pronto informou o óbvio : " bala perdida.
Foi meu filho. Tava feliz e tinha ido buscar o dinheiro que a prefeitura dava todo ano pra escola".
Muito embora venha numa luta incessante para encontrar respostas para a morte, em seu tempo e espaço,
não me faltam respostas quando ela vem de encontro a quem sela a paz. Outro motivo não seria que o protagonizado pelo acaso desse mundo incerto e inseguro.
Carlinhos se confundia com a alegria. Um ato seu era o recuo para um manifesto de raiva, quiçá um gesto de violência. Botava apelido em todo mundo:"chupão, Cara de Cú".
Nesse diapasão trilhava por frango, sapatão, ladrão, sambista, políticos, comerciantes, desocupados, pinguços, era o mago botar a cara na rua e o rasgo de sorrisos nas faces urbanas daqueles macunaímas desabrocharem.
De tão intenso não tinha a menor preocupação ou dimensão do seu valor na comunidade, sobretudo no mundo do samba. Digo mais, no universo da inclusão social sustentável.
Seu enterro, num domingo de chuva, terminou por registrar uma avassaladora massa humana, vinda de todos os cantos para se despedir do seu menestrel.
De todos os lados aparereceram voluntários: 10 ônibus, dezenas de coroas de flores, o Atlético Clube de Amadores tomado no ritmo do samba, em perfeita simbiose com seu maior desejo: "não chorem quando eu morrer, apenas cantem".
Apaixonado pelo Grêmio Recretivo Unidos de São Carlos, antes, Escola de Samba Caixão de Lixo, Carlinhos fazia de uma festa no barracão, uma ação de doação de alimentos, gerava empregos para a informalidade, resgatava  a cidadania e integrava seu povo num balé de sentimentos em prol do fundamento da vida.
Nas rodas de pagode, nos campinhos de pelada, no Coque, Vila São Miguel, Bomba do Hemetério, Bairro de São José, onde quer que aquela cara enrugada circulasse,com ele pedia passagem o samba, o Clube Náutico Capibaribe e o acúmulo de amizades, hoje, em condição de orfandade pela morte do seu diplomata.
As últimas notícias advindas do além, dão respeito de que acaba de se iniciar uma roda de samba regada a cervejas geladas, num encontro de bambas nunca antes revelados. Carlinhos acaba de chegar com um pandeiro nas mãos, de calça branca e é ovacionado pela ala de conselheiro Rosa e Silva, sendo saudado por Eládio de Barros Carvalho,Carlinhos latinha de doce, Cartola e Ziquirina, pois puxou um N-A-U-T-I-C-O.
De fato, por lá, a alegria pede passagem. O céu agradece.


 .