domingo, 13 de junho de 2010

Merica não quis ser Barnabé



De uns tempos pra cá, fazendo as devidas deferências ao senhor tempo, minhas idas e vindas ao mercado público de afogados foram reduzidas. E olha que em muito devo aquele locus na formação do meu cabedal de malícia de vida. Por ali vi de tudo.
Entretanto, foi numa leitura sobre uma coletânea de crônicas de uma jornalista gáucha, Eliane Brum, A vida que ninguém vê, que vi aquecida minha saudosa nostalgia de minhas raízes. Pois, Eliane nos revela tipos urbanos do sul do país que só interagindo para aproveitar de seus sabores.
Conhecesse essa gáucha como Inácio conhece, uma vez passando por aqui, levaria de imediato pra tomar uma no mercado, em lá chegando, depois de algumas cervejas, apresentaria o espaço Merica de ser.
O nome em si é demonstrativo da fauna que pertence, uma vez que, de tão feio, assemelha-se ao célebre volante do Leão da Praça da Bandeira.
Das 4 da madruga, recepcionando todo tipo de gente, até a meia noite, circulava com latas de água amenizando a imundície dos banheiros públicos por ali.
" Merica, Corno. De bate pronto, responde: corno de tua mãe". Até aí tudo corre na mais bela harmonia, entre uma ou outra lapada de cana, garantida pelas moedas depositadas numa caixa de papelão pregada na parede.
Tirá-lo do sério só testemunhei, quando um gaiato apontava: "Hum rum, Dr. Roberto Magalhães vai assinar sua carteira. De imediato, vomitava: vá vc e Roberto Magalhães tomar naquele lugar. Diga -se de passagem,  que tal verbete era dominante no seu cotidiano linguístico".
O homem virava uma fera, e entra prefeito e sai prefeito, a labuta era a mesma. Uma vez que, para Merica, servidor público era sinônimo de desonra e, para servir ao público não necessariamente se precisaria do jargão de Barnabé.
Segundo o Houaiss, Barnabé seria um funcionário público de modéstia importância. Para Mérica, homem simples, probo, pobre e incauto, Barnabé ou funcionário público, era tudo a mesma coisa e quisesse lhe fazer raiva o homenageasse com tal cerimônia.
Da porta do banheiro,onde dedicou a maior parte de sua vida em prol da comunidade do mercado, a distância era de cerca de 14 metros para o INSS, o acesso a autarquia alcançou na utilização das torneiras do órgão em tempos de racionamento de água no bairro.
Morreu enfartado, dentro do recinto, sem direito a pecúnia pública, mas eivado de ética, sendo esta o instituto de sua sobrevivência e de bem estar humano.