sábado, 11 de maio de 2013

Ele respira por aparelhos


http://e.imguol.com/esporte/futebol/2011/09/05/socrates-em-fase-de-recuperacao-no-quarto-do-hospital-depois-de-sofrer-hemorragia-digestiva-no-fim-de-agosto-de-2011-1315264352397_1920x1080.jpg










 O sábado estava chuvoso, a previsão era de nuvens nebulosas para aquele domingo que se iniciara na segunda. Parada de ônibus, nas vendas, feiras livres, só se falava na decisão.
De motorádio na mão, mal consegui dormi durante toda semana.
Ouvi de tudo, Barbosa Filho, Ivan Lima, resenhas e mais resenhas.
O domingo acordei com a vitrola de Scobar reiterando os hinos do leão:
"Hoje vai jogar o super time da ilha. O que é que tem o super time temmmmmmmmmmmmmmm".
Até que Arnaldo acabava de chegar com sua Belina, de imediato tratei de apressar meu pai na espera de que sobrasse uma vaguinha no carro.
Como o timbu tava fora da final, não correria o risco de sobrar, Seu Inácio não iria.
Seríamos eu, papai, Arnaldo, Mario Mortadela e Valter Gulu Gulu.
 Dois turnos eram nossos, e o elenco então, dava-se ao luxo de revezar Denô, Edson, Roberto Coração de Leão e Jorge Campos. A espinha dorsal trazia Merica e Givanildo, era só pagar a folha.
 Até chegar no estádio, o folclore dos debates no carro entre Valtinho e o resto - era o tempero pro clássico.
O saudoso Valter sempre na contramão lia o jogo errado, portava a teoria da conspiração e "Mondé" era a máxima.
Ozéas Gomes ,o homem do apito, de bate pronto Valtinho gritou :"Vai ter melhor de três".
Arnaldo ameaçou meia volta, deixando a gente no estádio, pois a paciência era pouca pro que estava por vir.
Passava as meninas e Valtinho no galanteio, até que, sorte nossa, uma rebateu :
"Te enxerga véi babão".
E era assim, sempre assim, sem tumultos, ganhasse ou perdesse, torcidas negando a Lei de Newton alcançando, no máximo, um indesejável banho de mijo.
Por sua vez, a violência não encontrava tempo, nem espaço, falava mais alto a magia, o folclore do futebol.
Amanhã, 30 anos depois, a história nos oferece mais um capítulo dessa rivalidade que é marca do povo pernambucano, quiçá do mundo, Sport x Santa, clássico das multidões. Afinal, é da junção dos nossos que se forma o atlântico.
Por aqui foi que o mundo começou.
No entanto, assim como na foto que ilustra esse texto, trazendo a figura de um dos maiores e melhores homens da história desse desporto, o insubstituível Doutor Sócrates, o futebol, assim como
o homem do calcanhar, no contexto da foto, respira por aparelhos.
Revisitando meu endereço nas redes, pude observar que armazeno minha preocupação há quase uma década, a despeito da forma como o futebol nas praças esportivas, nos bares, nas redes sociais vem sendo apropriado.
Refino a mesma fala recorrendo insistentemente a Nelson Rodrigues, quando ressaltava sobre a sua importância entre as coisas desimportantes.
Como nunca antes, é preciso que atentemos para o risco de se comprometer um legado, uma amizade, um ciclo de intenções que não merecem intervenções pela inobservância ética dos gestos fratricidas.
O futebol respira por aparelhos - e cada vez mais reconhecido como business, fica a mercê da mercancia, da cultura do aviamento, - impedindo que gerações consolidadas através de suas conjecturas, sintam-se obrigadas a não mais levar seus filhos pros estádios, tão pouco devotarem sua fé aos domingos ou ir a um supermercado, sob o risco de ver suas vidas e de seus entes queridos ceifadas pelo estado de insolvência do desporto.
Amanhã, se perdermos o jogo que preservemos nossas vidas. E se ganharmos o jogo, que não percamos o sentido da vida, forjado pela sandice histriônica dos que não prestam deferência a gênese do futebol.